HERE BE DRAGONS

terça-feira, junho 20, 2006

Previsões...

Domingo passado, dia 18 de junho de 2006, Paul McCartney fez 64 anos. O velho Macca descobriu, então, como é a vida após essa idade emblemática.

Em 1966 os Beatles gravaram a música de Paul, When I'm sixty-four (letra aqui), que acabou saindo no estupendo álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de 1967. A letra fala de uma velhice tranqüila ao lado da pessoa amada, repleta de carinhos, bombons, cartões de dia dos namorados, garrafas de vinho e férias em um chalé na Ilha de Wight - se não for muito caro, é claro, porque o dinheiro é pouco mas na mão do véio rende.

Aos 64 anos, Paul descobriu que é um péssimo bidu. Hoje ele é um dos homens mais ricos da Inglaterra e não precisa ficar contando centavos para poder sair de férias - que não têm que ser na suburbana Ilha de Wight, mas em qualquer lugar do mundo. Ele é também uma das figuras de mais sucesso no mundo da música, ainda hoje. O nome Paul McCartney ainda é sinônimo de sold out em qualquer lugar em que ele vá fazer um show. Foi o único Beatle a ter realmente sucesso após a separação (Lennon teve um sucesso menor porque era "menos acessível" ao grande público e, como se não bastasse, isolou-se do mundo entre 1975 e 1980, com o nascimento de Sean. Em 1980 botou a cabeça pra fora do buraco e levou três tiros. Os outros dois Beatles nunca tiveram sucesso expressivo).

Mas a parte positiva de ter falhado na previsão pára por aí. Ao invés da velhice tranqüila e feliz (embora frugal) Macca está passando por um período pra lá de estressante. Pra começar, o amor da sua vida, Linda Eastman Kodak Desafinada da Silva McCartney, morreu de câncer em 1998. Em 2002 Paulão casou-se com a ex-modelo perneta e defensora de focas Heather Mills, mas desde o começo do ano falam em separação, celebrada (?) em maio último. A imprensa marrom não dá trégua aos dois e deixa o velho com cada vez mais cabelos brancos. Nem o nome dos netos ele acertou - na música eles são Vera, Chuck e Dave.

Dois de seus amigos (eles continuaram se falando depois da ruptura, ao contrário do que a imprensa por aí quer) morreram: John Lennon com três tiros, George Harrison de câncer.

Mesmo rico e com sucesso, a vida de Macca não é um mar de rosas. E, principalmente, não é nada parecida com o que ele previa em sua canção. Absolutamente tudo o que estava na música aconteceu ao contrário. Para bem e para mal.

Mas o que isso tem a ver com TI?

Assim como o ex-Beatle, muita gente se apressa em prever o futuro da informática. As previsões variam desde o otimismo mais cego e exacerbado até o pessimismo catastrófico. Poucas previsões se concretizaram e as que o fizeram se parecem com as das "Mães Videntes" que circulam por aí ("fará sol, mas pode chover também" ou "um grande nome das artes brasileiras vai morrer em 2006").

Quando apresentou o IBM-PC em 1981, a IBM previa que seria dona do mercado por pelo menos uma década. Com a visão embaçada por sua "mania de mainframe", os executivos da IBM apostavam no PC como uma porta de entrada, um atalho que as pequenas empresas iriam traçar para, futuramente, migrar para um computador de porte maior. O PC não era, em si, importante. Importante era seduzir o pequeno comprador a consumir da big blue.

A cegueira da IBM, nesse caso, era total. Ao divulgar as especificações de hardware do PC, permitindo que qualquer um fabricasse um clone sem pagar royaties, a IBM esperava que a plataforma alcançasse sucesso imediato - e, nisso, ela acertou. Mas ela esperava que as pessoas não deixassem de comprar da IBM para adquirir PCs de marcas sem pedigree. Isso não ocorreu: as pessoas preferiam comprar clones, que eram mais baratos que os originais IBM e, em muitos aspectos, melhores.

Um exemplo disso foram os PC de 12 MHz, vindos da Ásia e motorizados com o processador japonês NEC V20 (compatível com o Intel 8088). Os PCs da IBM trabalhavam apenas a 4,77 MHz, quase 4 vezes mais lentos. Outro exemplo foi a rasteira que a Compaq passou na IBM, lançando o primeiro AT-386 em 1986, sendo que a IBM só introduziria 386s em 1987 com os malfadados e incompatíveis PS/2 (que a terra os coma!).

Outro erro da IBM foi ignorar o usuário doméstico, pois previa que apenas as empresas estariam interessadas no PC. O computador com grife IBM era caro e prescindia de muitas das coisas que o usuário doméstico gostaria de ter: cor, som, alta resolução de imagem. Coisas que o Macintosh tinha. Coisas que o Commodore 64, o ZX Spectrum e o MSX (máquinas muito mais atrasadas tecnologicamente que o PC) tinham. Coisas que o Apple II tinha desde 1977!

Os clones de PC passaram a vir com essas coisas. Começaram a aparecer placas de expansão baratas que adicionavam sons e gráficos coloridos ao PC. Jogos como Larry Leisure, Alley Cat, Wolfenstein 3D e Test Drive (aliados ao baixo custo dos clones) passaram a tornar os clones PC uma alternativa interessante para o povo ter em casa.

Se as previsões da IBM não fossem assim tão otimistas ela poderia ter tentado diminuir os custos de produção e investir em pesquisa - duas ações meio estranhas à cultura empresarial da IBM, apontada por muitos como pesada e lenta. Uma boa idéia, o padrão aberto para o PC, poderia ter rendido bons frutos à IBM. Em vez disso, a empresa tentou recuperar o mercado perdido lançando o PS/2 - micros que usavam um barramento de periféricos proprietário e exclusivo, chamado Microchannel Architecture, ou MCA. Obviamente, fracassou.

Erros de decisão provocados por previsões equivocadas do futuro não faltam na história da IBM. Conta-se que a IBM declinou de adquirir direitos sobre a patente da Xerografia, pois não imaginava qual seria a utilidade de se copiar documentos. Já ouvi dizer que a Microsoft foi oferecida à IBM várias vezes.

A Apple também entrou numa espiral descendente após a saída de Steve Jobs em 1985, provocada por previsões por demais otimistas. Nos anos 80, os micros de 8 bits ainda eram fortes concorrentes do Macintosh. O próprio Apple II vendia mais que o Mac. Conta-se que nesse mesmo ano de 1985 Bill Gates mandou um memorando à diretoria da Apple exortando para que se licenciasse a arquitetura do Macintosh. Se vários fabricantes pudessem produzir o pequeno computador, a linha ganharia momento e o Mac seria um sucesso. É óbvio que Gates tinha interesse nisso: a Microsoft nasceu fazendo aplicativos. Quanto mais Macs fossem produzidos e vendidos, mas Word e Excel para Macintosh (ou Works, ou Multiplan, ou qualquer produto Microsoft) seriam vendidos.

A visão dos executivos da Apple era diferente. Para eles, o povo compra Apple e Macintosh por paixão e ninguém precisa ter clones à disposição se vai comprar da "matriz". Por outro lado, eles tiveram dissabores com os clones do Apple II ao redor do mundo. Clones são concorrentes diretos e comem mercado. Por conta de tudo isso, a Apple simplesmente ignorou o memorando de Gates.

Mas o Tio Bill estava certo. O pessoal da Apple não percebeu que é muito melhor ter 20% de um mercado enorme do que 100% de um mercado minúsculo. Por conta disso, hoje amarga uma fatia de mercado total (contando todas as linhas de computadores e sistemas operacionais) de menos de 5%, tendo que brigar dentro dessa fatia com Linux, FreeBSD, Inferno, BeOS, GEM (todos rodando no PC, por sinal). Se contarmos só harwdare (Mac x PC), a participação dos Macs cai para menos de 2%. A Apple só não foi à falência porque começou a vender abajur e radinho de pilha, mas isso já é história pra outro artigo...

É óbvio que Microsoft, Intel, Compaq, Tandy e cia também cometeram seus deslizes baseados em más previsões. Não é preciso, entretanto, discorrer aqui sobre todos eles - já deu pra entendeu, não deu?

Aqui vai o alerta então: cuidado com as previsões. Desde os anos 70 eu escuto várias delas:
- "Computador não é coisa pra se ter em casa"
- "A reserva de mercado vai tornar a indústria nacional mais atualizada e competitiva"
- "Sempre haverá mercado para o MSX"
- "Linux fácil para as pessoas daqui a 3 anos"
- "A Apple vai parar de fabricar Macs e passar a vender PCs de luxo com Windows"
- "A AMD vai suplantar a Intel no mercado de processadores para PCs"
- "A próxima versão do Windows/Word/Excel está sendo reescrita do zero com atenção especial à segurança"

Até hoje não vi nada disso.

Voltando ao velho Macca, teve outra coisa boa (além de sua fortuna de US$ 1,5 bi) em seus 64 anos, o contrário do que ele previu na música: não perdeu cabelo algum...



(Agradecimentos ao Guia do Hardware pelo link do abajur.)

3 comentários:

Mario disse...

Dizer que a Apple não faliu porque faz abajur e rádio de pilha soa bom como sarcasmo, mas é apenas sarcasmo. A Apple não faliu porque Jobs voltou e restaurou o foco da empresa. O abajur foi o retorno ao conceito original perdido do Mac, e o radinho de pilha foi a diversificação necessária e ao mesmo tempo mudou decisivamente o panorama da distribuição de mídia. Atualmente, é a única fabricante de hardware que está crescendo. Finalmente, a influência que a Apple tem no mercado é totalmente desproporcional ao seu tamanho efetivo. Concorde ou não com seus métodos industriais e comerciais, é um sucesso e faz produtos bons.
Competição da Apple com Linux, BSD, GEM e não sei mais o quê é uma visão bem limitada. Não vejo isso no mundo real. A Apple visa só dois públicos, o home user minimamante sofisticado e o profissional de criação de mídia. Embora tenha produtos para o enterprise, se dá ao luxo de não sofrer desgastes competindo muito nessa área. A entrada no low-end é muito mais cuidadosa e gradual que a tentativa desastrada com os Performas há 10 anos. Uma coisa de cada vez deve ser a filosofia jobiana.

Mario disse...

Aliás, toda a discussão recorrente sobre o que Microsoft, IBM, Compaq, Xerox PARC fizeram nos anos 70 e 80 me parecem muito com, por exemplo, a discussão sobre Farnsworth e seu invento roubado, a televisão. Para mim é interessantíssimo, mas o povo comum só sabe do presente, só se interessa pelo resente, e não acho isso errado. As consequências desse passado se diluíram e transmutaram de tal maneira que perdem o valor referencial para hoje. Imagine só, Macs usam chips intel e rodam Windows, e o Adobe Photoshop funciona perfeitamente num PC.

Anônimo disse...

Faltou dizer uma coisa: Paul McCartney não só não perdeu o cabelo como ainda demorou anos pra se livrar do mullet...

Adorei o jeito como você conduziu o texto. You go, man! (ou woman???) Parabéns pela ousadia.